Perdido em Israel - Trecho 120
Os rabinos conservadores que conheci no passado iriam me recriminar pelo que tenho dito. Henry Sobel, o primeiro rabino progressista do Brasil, o espantoso orador que fazia silenciar as moscas, acharia graça. Sobel foi (independente de seus erros pessoais) o homem que tirou os judeus da sombra da ditadura, ao combatê-la sem medo. Celebrou a missa de Vladimir Herzog numa Catedral da Sé lotada e recusou-se a aceitar que Herzog, um bom jornalista, tivesse ceifado sua própria vida, dentro das instalações do DOI-CODI, onde estava preso e vinha sendo torturado.
A vida é sagrada para os judeus e os suicidas são enterrados do lado de fora dos cemitérios judaicos. Apesar da pressão e da possibilidade de ter o mesmo destino do jornalista, Sobel presidiu a cerimônia que o enterrou bem no meio do Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo, redimindo-o perante Deus e a sociedade – que mais tarde, conheceria a história verdadeira depois de longas investigações.
Ainda vou falar desse estranho, profético e contraditório sujeito, que, na verdade, provou a mim mesmo seu ceticismo em relação ao Todo-Poderoso. Certa vez, numa viagem que fizemos juntos para São José do Rio Preto – cujo objetivo era fotografá-lo lado a lado com um raro palestino morador da Palestina paulista – a aeronave desastrosa, um velho Bandeirante da Embraer, passou por turbulências violentas. Sobel pegou na minha mão (eu também assustado), perto da pista da cidade de São José do Rio Preto, quando a aeronave, atingida por um pé de vento, perdeu a pista e jogou-se no gramado encharcado. Gritou- me o líder espiritual, vermelho e ofegante:
- Ronny! Nós vamos morrer! Morrer!
Compreendo até hoje sua aflição, mas foi naquele dia que deixei de acreditar em Deus, qualquer Deus.
Sobrevivemos, é claro.
Eu não rezei, porque nunca soube fazê-lo. Sobel, depois de refeito, com seu memorável sotaque norte-americano, também não. (Ou se o fez, foi muito discreto).
Sobrevivente, enfim, é quem escapa com vida. Creia em alguma coisa ou não.
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