Perdido em Israel - Trecho 26

Sexto do interlúdio.

Nem sei se isso importa. Se não houvesse mais judeus no mundo, que diferença isso faria? Se nenhum de vocês quiser dar continuidade a essa história milenar, o que vai acontecer? Provavelmente nada.
Não somos religiosos, eu mesmo – como já disse – até duvido de Deus, como outros de seus parentes não judeus e igualmente valiosos. Mas, que diabos? De algum lugar viemos! As maçãs vêm das macieiras, os umbus dos umbuzeiros, os animais, todos eles, também têm suas espécies.
Ah, vovô: mas você é alemão!
Não: sou brasileiro, meu pai e meus avós nasceram na Alemanha, mas tiveram de fugir de lá, para escapar dos horríveis campos de extermínio que ali foram criados para aniquilar judeus de todas as espécies. Viviam em Berlim e foram logo segregados.
Ah: vovô: você é polonês!
Eu não, sou brasileiro. Minha avó Felícia, mãe da vovó Krystyna, não conseguiu fugir a tempo e morreu num lugar como esses que mencionei. A vovó Antonina e o vovô Alfredo, mais previdentes ou assustados, deixaram a Polônia, sua terra natal e acabaram aqui no Brasil, para não ter o mesmo destino da mãe do papinha e de outros que ficaram pelo caminho.
Mas não sou, é claro, uma maçã oriunda de um pé de jaca. Ou um passarinho nascido no útero de uma gatinha.
Então, não há como negar – e daí a felicidade de todo mundo naquele dia de março: sou judeu de origem. De etnia! Assim como uma das avós da Anita (minha nora) é etnicamente japonesa, eu sou etnicamente judeu.
O estrago que fizeram com os judeus na 2ª Guerra (dez anos antes de eu mesmo nascer!) deu origem a Israel, uma espécie de pátria mais ou menos concedida pelas Nações Unidos aos sobreviventes do Holocausto e outros judeus que andavam, sem destino, pelo mundo.
Não tenho nada a ver com Israel. Estive lá uma vez há mais de 50 anos e não senti nada. Meu time não joga lá. Meus amigos não vivem lá. Meus cantores não cantam lá.
Israel não é a macieira de onde venho, mas acho que não é errado dizer que todas as maçãs que não encontraram suas macieiras depois da guerra acabaram indo para lá -, ou para o Brasil, ou para os Estados Unidos - países que não os devoravam.


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