Perdido em Israel - Trecho 24

Quarto do interlúdio.

Confesso que demorei muito para entender as razões para tanto sacrifício. Nem sei se as compreendo até hoje, embora ache que a experiência (que vocês chamam carinhosamente de velhice) tenha me dado elementos para aprender muito mais.
Naquele dia de março de 1968, porém, eu me senti no meio do mundo. Todos, inclusive gente que eu nem conhecia, me abraçavam como se eu tivesse realizado um feito extraordinário, como subir a montanha mais alta da Terra ou atravessar o oceano em um barco a remo.
De alguma forma, mais para eles do que para mim, aqueles momentos desafinados em frente a Torá representavam alguma coisa muito importante.
Não preciso falar dos mais próximos: minha mãe, sempre dura e doce (do jeito que se tornam os que viveram em guetos, campos de concentração e sobreviveram), deixava que raras lágrimas escapassem de seus olhos; o vovô lindinho, que tinha o estranho nome de Sven, chorão que nem ele só, parecia uma fonte jorrando água salgada.
Meus avós que vocês nem conheceram estavam inchados de orgulho. Recebi coisas incômodas como abraços apertados, beijos que me cobriram o rosto de batom, essas coisas que meninos não costumam gostar.
Se vocês olharem para minha biblioteca, a que tenho hoje em casa, verão alguns dos muitos livros que ganhei à época. Livros de cultura judaica, uma enciclopédia inteira dedicada ao povo ao qual pertencia e alguns livros de guerra, já que Israel tinha reconquistado Jerusalém no ano anterior (e o que é que eu tinha a ver com isso?).
Vou falar de outros presentes que ganhei e que diziam respeito a expectativa que muitos tinham a meu respeito. Os mais engraçados: deram-me quatro microscópios. Isso mesmo: quatro, superequipados, com lâminas para eu descobrir vírus ou bactérias – mas que eu usei mesmo para ver os insetos que apanhava com as mãos.
Sabe o que os microscópios queriam dizer? Que muita gente desejava ver-me, no futuro, como um cientista ou um médico. Parece que judeus são bons nisso: os prêmios Nobel (os mais famosos do mundo de química, física e medicina vivem sendo dados a pessoas que fazem bar-mitzvá.

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