Perdido em Israel - Trecho 6

Depois vinha o trabalho para valer, rude e, como tudo no kibutz, repleto de normas. Éramos proibidos, por exemplo, de iniciar a colheita da próxima árvore da interminável fileira, caso deixássemos uma única laranja abandonada, no mais remoto recanto da copa, espessa e com algo entre seis e oito metros de altura.
Hora de recorrer à escalada, esgueirando-se, o quanto possível, dos galhos repletos de espinhos. Mesmo com experiência, nenhum coletor seria capaz de vencer a árvore sem cortes e lanhuras, constatadas na descida, quando vazavam fios de sangue de braços, pernas e, mesmo, dos rostos.
Descobri, assim, a utilidade dos panos rudimentares que ficavam pendurados nas imensas caixas de armazenamento: limpar, com escassa higiene, as feridas resultantes da laranjeira enfim vazia, sem mais daqueles sóis a exibir.
Entre as aleias, caixas enormes estavam previamente alinhadas por toda a parte. Não consigo avaliar o quanto, mas, segundo nossos monitores na empreitada, cada um desses baús comportava 400 quilos das tais frutas cítricas. Pronto: esse era o tamanho do meu expediente. Colher, diligentemente – sem um pio, se possível – quase meia tonelada de laranjas por dia.
O transporte de volta para a sede do kibutz deixava a plantação a uma hora determinada. Retardatários – como eu mesmo fui por alguns dias – perdiam a carona e tinham de voltar a pé, em longa e vexatória marcha.
Não adiantava (e nem havia sentido em) largar a caixa incompleta. Sempre havia algum superior vistoriando o trabalho.
Imaturo e assustado com aquela realidade hostil, o corpo doído, as feridas prestes a infeccionar, compreendo, hoje o tamanho de tudo o que não entendi. Cada laranja arrancada, cada dor irrelevante significava, de fato, que ali, naquele momento, brotava um país.
Que, de alguma forma, alienado e egoísta, eu estava participando do sonho de um povo disposto a estruturar, estabelecer e armar-se na defesa terra que lhes haviam concedido a maioria dos países, nenhum deles vizinho.

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